A recente saída do Brasil do Mapa da Fome da ONU marca um avanço importante no combate à insegurança alimentar, resultado direto da retomada de políticas públicas estruturantes. Programas como o Bolsa Família, o reajuste da merenda escolar, o fortalecimento da agricultura familiar e o aumento real do salário mínimo foram fundamentais para esse resultado. A geração de empregos e a ampliação da renda também ajudaram a reduzir o número de pessoas em situação de fome no país.
Essas conquistas, no entanto, não resolvem todos os desafios. Sair do Mapa da Fome não significa que o brasileiro está se alimentando bem. A fome diminuiu, mas a má alimentação avança. Nesse esforço, as organizações da sociedade civil têm papel essencial. A Cáritas Brasileira, organismo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), é uma das referências no país quando se trata de atuação em segurança alimentar e nutricional, especialmente entre populações vulnerabilizadas e em contextos de emergência.

Presente em todo o território nacional por meio de suas entidades-membros, regionais e articulações, a rede Cáritas atua de forma articulada no apoio direto a famílias, na formulação de políticas públicas e no fortalecimento da agricultura familiar e de práticas agroecológicas. Em 2024, suas ações de segurança alimentar alcançaram diretamente mais de 97 mil pessoas, reforçando seu compromisso com a justiça social, a justiça climática e a soberania alimentar.
Para Valquíria Lima, diretora-executiva da Cáritas Brasileira, a retirada do Brasil do Mapa da Fome é um avanço importante, mas não significa que o problema foi resolvido. “O anúncio da ONU indica que retomamos políticas públicas de segurança alimentar e de distribuição de renda. É um passo importante, sobretudo para as populações mais vulneráveis, mas ainda temos muito a fazer para garantir o direito humano à alimentação adequada”, afirma.
Ela ressalta que é essencial enfrentar as causas estruturais da fome, e não apenas seus efeitos. “A fome no Brasil tem raízes profundas na desigualdade social, na concentração de renda e de terras, e na exclusão de milhões de pessoas dos direitos básicos. Precisamos refletir e agir sobre o que gera fome em nosso país, e isso exige compromisso do Estado, orçamento garantido e políticas públicas permanentes”.
Valquíria reforça que o combate à fome é uma das principais bandeiras da Cáritas Brasileira, que atua tanto na assistência direta às populações em situação de vulnerabilidade quanto na formulação e controle social de políticas públicas. “Estamos presentes no Consea Nacional e em diversos conselhos estaduais e municipais de segurança alimentar. Nossa atuação é de base, mas também de incidência política. É nessa articulação entre ação concreta e mobilização social que a Cáritas se coloca.”
Para ela, o desafio agora é consolidar as conquistas e avançar na garantia de direitos. “Celebramos a saída do Brasil do Mapa da Fome, mas não podemos nos acomodar. A fome persiste, e seguiremos firmes na luta por justiça social, climática e alimentar. Comida é um direito, não um favor, e o Estado brasileiro precisa assegurar esse direito, com prioridade e continuidade.”

Presença e incidência no controle social
A Cáritas Brasileira é integrante ativa do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), órgão fundamental para o controle social das políticas públicas de combate à fome. No período 2023–2024, o Consea aprovou 51 recomendações ao poder público, lançou o Plano Brasil Sem Fome, promoveu debates sobre a Nova Cesta Básica com alimentos naturais e respeitosos da cultura alimentar e contribuiu para a formulação do 3º Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.
Presente nos territórios e nos espaços de decisão, como os Conselhos Estaduais e Municipais de SAN, a Rede Cáritas fortalece a segurança alimentar e nutricional em diversos estados do país:
Ceará: presidência do Conselho Estadual e representação no Consea Nacional.
Minas Gerais: implantação de 17 Quintais Produtivos Agroecológicos, criação do Banco Popular de Sementes Crioulas com mais de 200 guardiões beneficiados.
Espírito Santo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul: atuação em conselhos estaduais e municipais e apoio a cozinhas comunitárias.
Nordeste 3 (Bahia, Sergipe e Alagoas): projeto de ajuda humanitária no Semiárido, beneficiando 1.000 famílias afetadas pela estiagem do El Niño, com prioridade para mulheres chefes de família, idosos e pessoas imunossuprimidas.
Piauí e Maranhão: participação em conselhos e capacitações para acesso a políticas públicas (PNAE, PAS, PROCAF).
Participação da 2ª Reunião Plenária do Consea
Nos dias 5 e 6 de agosto de 2025, será realizada a 2ª Reunião Plenária Ordinária do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), em Brasília. A plenária reunirá representantes da sociedade civil e do governo para discutir temas estratégicos como segurança alimentar na agenda climática, soberania alimentar e as perspectivas da COP30.
A Cáritas Brasileira estará presente, como integrante do grupo de organizações de atores coletivos e grupos sociais prioritários para o acesso à alimentação e à água, reforçando seu compromisso com o direito humano à alimentação adequada (DHAA). A organização foi eleita para o mandato 2025-2027 e contribuirá na formulação de políticas públicas voltadas à soberania e segurança alimentar no país.
A programação inclui debates sobre os desafios para a transição justa dos sistemas alimentares, o protagonismo das mulheres frente à crise climática, e a agricultura familiar como solução para o enfrentamento das mudanças no clima. A plenária também contará com reuniões das comissões permanentes e deliberações importantes para o fortalecimento das ações do Consea.
Assistência imediata e transformação estrutural
Projeto Sumaúma: Nutrindo Vidas
Realizado em Boa Vista (RR), o projeto Sumaúma oferece assistência alimentar diária a pessoas migrantes e em situação de rua, com foco em migrantes e refugiados venezuelanos recém-chegados ao Brasil. A iniciativa, financiada pela USAID/BHA em parceria com a Catholic Relief Services (CRS) e a Associação Mexendo a Panela, promove duas refeições diárias adaptadas às necessidades nutricionais específicas de crianças, gestantes, idosos e pessoas com deficiência.
Mesmo tendo sido interrompido no início de 2024, após a suspensão da ajuda humanitária pelos Estados Unidos no início do governo Trump, o projeto Sumaúma foi retomado graças à mobilização solidária de diversas frentes. A continuidade da ação só foi possível com o apoio financeiro da Catholic Relief Services (CRS), das doações de alimentos da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, do Instituto Lojas Renner, e das contribuições espontâneas de pessoas e organizações que participam da campanha nacional “A sua doação promove direitos!”, voltada ao fortalecimento dos projetos da Cáritas em Roraima. As doações podem ser feitas pelo PIX doe@caritas.org.br.
Entre abril e junho de 2025, o projeto distribuiu 27.090 refeições — 26% destinadas a crianças e adolescentes, 24% a mulheres e 50% a homens adultos. Ao longo de todo o ano de 2024, foram 467.864 refeições servidas, beneficiando diretamente 21.313 pessoas.
Além da alimentação, o Sumaúma também realiza ações educativas sobre alimentação saudável e aleitamento materno. Mais de 1.800 pessoas participaram dessas atividades, e 99% dos beneficiários atingiram níveis satisfatórios de consumo alimentar, segundo a Pontuação de Consumo Alimentar (FCS), com 100% das famílias relatando “pouca ou nenhuma fome”, de acordo com a Escala de Fome Doméstica (HHS).
Missão Sementes de Solidariedade
No sul do país, a Missão Sementes de Solidariedade respondeu aos impactos de três grandes enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul em 2023 e 2024. A ação, que reúne 23 organizações, foi pensada com e para as comunidades camponesas e atua na reconstrução da produção de alimentos e da vida comunitária.
Foram distribuídas 79 toneladas de sementes e 33 mil mudas, impactando diretamente 20.648 agricultores familiares nas regiões do Vale do Taquari e do Vale do Rio Pardo. Mais de 5 mil famílias receberam insumos para replantar seus roçados: hortaliças, milho, feijão, arroz, mudas de frutíferas e ramas de mandioca e batata-doce. A Cáritas também coordenou a distribuição de 2.400 cestas básicas, cartões multipropósito, 96 mil litros de água potável, além da reativação de cozinhas comunitárias e infraestrutura agrícola.
Segundo Jacira Ruiz, secretária regional da Cáritas RS, “a ação é um direcionamento refletido e político de apoio à produção de alimentos, à segurança e autonomia alimentar, e também para replantar a esperança após tantas perdas. Além disso, a Cáritas Rio Grande do Sul participa ativamente do Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional, contribuindo na incidência política para a efetivação do direito à alimentação”.
Fora do mapa, não da fome
A saída do Brasil do Mapa da Fome representa um respiro, mas não um descanso. Ainda hoje, cerca de 14 milhões de pessoas vivem em insegurança alimentar severa, e quase 40 milhões enfrentam algum grau de restrição alimentar no Brasil, segundo dados de 2023 da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, Relatório SOFI 2024).
A atuação da Cáritas mostra que é possível enfrentar a fome com dignidade e participação, respeitando os saberes populares, fortalecendo a agricultura familiar e cobrando políticas públicas estruturantes e permanentes.
Comida é direito, não favor. E o direito à alimentação só será plenamente realizado quando houver justiça social, climática e alimentar para todos e todas.
Contato para entrevistas, dados regionais ou imagens das ações:
Assessoria de Comunicação – Cáritas Brasileira
comunicacao@caritas.org.br
Fonte: cnbb.org.br/projetos-da-caritas-brasileira-promovem-dignidade-e-alimentacao-saudavel-para-populacoes-em-situacao-de-vulnerabilidade/