Na segunda metade do século XIX empolgou-se Campinas pelo que chamaríamos a “filosofia do progresso”, que também marcou inúmeras outras cidades brasileiras. Ampliou-se a área urbana até atingir e ultrapassar o rocio original; surgiram melhoramentos materiais de toda a ordem: pavimentação de ruas, calçadas, mercado, jardins, fontes, chafarizes, iluminação pública, rede de águas e esgotos, transportes para novos bairros que estavam surgindo, estabelecimentos de ensino, associações culturais, artísticas e recreativas, lojas de qualidade, nas quais se notava sobretudo a influência francesa, instituições filantrópicas e assistenciais, associações esportivas, núcleos coloniais estrangeiros (Campinas foi uma das pioneiras no trabalho livre e na colonização europeia), indústrias bem variadas, começando pelas máquinas agrícolas, tipografia, jornais, livrarias, enfim tudo aquilo que provocou entusiasmo em visitantes que aqui estiveram.
A todos esses melhoramentos materiais, sobrelevou, pela sua importância, a estrada-de-ferro, que atingiu Campinas a 11 de agosto de 1872, com a inauguração do primeiro trecho da Companhia Paulista procedente de Jundiaí e ligada diretamente a São Paulo. A inauguração de uma ferrovia, como é sabido, é marco deveras importante na história de qualquer cidade.
A estação, situada quase sempre num largo (chamado mesmo muitas vezes simplesmente de “Largo da Estação”), atraía para as suas proximidades inúmeros hotéis, em geral modestos, mas que preenchiam a finalidade de atender de maneira prática e satisfatória aos usuários da ferrovia. Com o tempo, as áreas vizinhas à estação acabaram perdendo suas características iniciais: tornaram-se apenas local de armazéns, bares, hotéis mais baratos (pois as pessoas de melhor categoria preferiam alojar-se em lugares mais sossegados) e, muitas vezes passaram a ter aspectos nem sempre muito convidativos, seja pelas condições de higiene ou pelos riscos de ladrões e vigaristas à espera de incautos viajantes e muitas vezes até se transformaram em ponto de exibição, nem sempre muito discreta, de prostitutas. Enfim, as “zonas deterioradas”, tão bem caracterizadas pelos sociólogos. Mas, antes que tal acontecesse, a estação chegou a ser ponto de reunião de pessoas elegantes que tinham como divertimento “esperar o trem”.
Igualmente, a ferrovia marcou a paisagem urbana e sobretudo industrial das regiões por ela servidas. Estas considerações, válidas para qualquer cidade servida por ferrovia, tornam-se particularmente significativas com relação a Campinas. Nossa cidade tornou-se um dos maiores centros ferroviários do país. Pouco depois da inauguração da “Paulista” fundou-se aqui a “Mogiana”, esta, tanto quanto aquela, intimamente ligada ao desenvolvimento da cultura cafeeira; a esta nova ferrovia caberia servir uma das mais antigas regiões da então província de São Paulo, atingindo, mais para o fim do século, as divisas com Minas Gerais e penetrando em território mineiro, onde se articulou com outras estradas de ferro. À “Mogiana” estaria fadado, assim, o importante papel de capturar para a economia paulista grande parte do Sul de Minas, do Triângulo Mineiro e de Goiás.
Isto beneficiou particularmente a cidade de Campinas, pois tendo aqui a “Mogiana” sua estação inicial, a vinculação com as áreas mineiras tornou-se muito mais fácil com esta cidade do que com a própria capital do Estado. Assim, os antigos internatos colegiais bem como os hospitais e clínicas médicas de Campinas tornaram-se preferidas pelos habitantes do Sul de Minas e do Triângulo. Consequentemente, tornou-se, profundamente marcante a presença mineira em Campinas.
Mas, além da “Paulista” e da “Mogiana”, outras três ferrovias passaram a servir Campinas: a “Sorocabana”, por meio de um ramal procedente de Mairinque; e duas outras, menores, constituídas e fundadas aqui mesmo, vinculadas diretamente à vida da cidade: o “Ramal Férreo Campineiro” e a “Funilense”. Com estas cinco ferrovias, Campinas apresentava-se, num mapa, com a característica estrela de seis raios, fato único na história ferroviária do Brasil.
Menção especial merece o setor cultural. O fato de Campinas ter sido berço de Carlos Gomes como que a predispôs a uma grande e variada atividade artística, desde o século XIX. Uma crônica do cotidiano mostraria imenso rol de atividades musicais e também teatrais – com frequentes visitas de grandes figuras do cenário artístico do país e do exterior e com a edificação de excelente Teatro Municipal, inaugurado em 1930, mas infelizmente não mais existente. Na área do ensino, dois grandes estabelecimentos foram criados na segunda metade do séc. XIX: o “Colégio Internacional” (1869) e o “Culto à Ciência” (1873). Tornaram-se famosos e projetaram o nome de Campinas por todo o país. Ambos existiram até fins do século: o “Internacional”, por ocasião da epidemia de febre amarela que assolou a cidade, foi transferido para Lavras, no sul de Minas; o “Culto à Ciência”, depois de quase vinte anos, viu-se na contingência de encerrar suas atividades, tendo sido seu edifício adquirido pelo governo do Estado, que nele instalou um ginásio oficial, também de grande renome em todo o país.
Outros grandes estabelecimentos de ensino marcaram o panorama cultural de Campinas – e aqui entra particularmente a ação da Igreja – com a fundação do “Liceu Nossa Senhora Auxiliadora” (originado de um antigo Liceu de Artes e Ofícios), o “Diocesano Santa Maria”, e alguns leigos, como o “Progresso Campineiro”, o “Ateneu Paulista”, a Escola Normal Oficial, o Instituto Cesário Mota, entre outras.
Duas outras ocorrências não podem deixar de ser mencionadas: a fundação do Instituto Agronômico, ainda ao tempo do Império (1887) e que se tornou uma das mais renomadas instituições científicas do país, de projeção internacional; e o “Centro de Ciências, Letras e Artes”, que comemora seu centenário, fundado por um grupo de intelectuais da cidade (quase todos vinculados ao Ginásio do Estado e ao Instituto Agronômico), entidade que recebeu apoio de numerosos intelectuais de todo o país e até do exterior.
A planta da cidade divulgada no livro Campinas em 1900, de Leopoldo Amaral, delimita com precisão a área alcançada pelos arruamentos na virada do século: no sentido Norte, o canal de saneamento (atual avenida Orosimbo Maia) era praticamente o limite da área urbana, embora a avenida Barão de Itapura já aparecesse assinalada, inclusive com o local do Instituto Agronômico; pouco além, passavam os trilhos da “Mogiana” e da “Funilense”, vendo-se o Guanabara e o Taquaral ainda em formação, embora já indicado o antigo Liceu de Artes e Ofícios. Ao Sul, pouca coisa havia além dos trilhos da Paulista; incipientes, a Vila Industrial, a Ponte Preta e o Fundão, este praticamente limitado ao caminho para o cemitério, então chamado “do Fundão”, atualmente “da Saudade”; assinalava também a planta alguns marcos importantes, como o curtume, as oficinas da “Mogiana” e os asilos de inválidos e de variolosos. No sentido de Leste, praticamente a cidade terminava no Bosque dos Jequitibás, sendo a Coronel Quirino a última rua assinalada; quase nada do que é hoje o Cambuí; o povoamento não alcançava ainda a valeta do Córrego Proença (a “Norte-Sul” de hoje), o que, aliás, vai demorar a ocorrer; no cruzamento da Coronel Quirino com a Moraes Sales, a planta assinalava o início da “Estrada Pública para o Arraial dos Sousas”. E, finalmente, a Oeste, os trilhos da Sorocabana eram os limites da cidade; o Bonfim aparecia como bairro em formação, beneficiado por algumas indústrias ao longo da ferrovia; também o Hipódromo, no ponto em que o Bonfim se limitava com a Vila Industrial. Assinalava a planta os edifícios mais importantes: igrejas, escolas, repartições, bem como gasômetro e a estação de bondes, estes ainda à tração animal, pois só a partir de 1912 seriam eletrificados. O aparecimento dos bondes (veículo coletivo por excelência na época) foi decorrência da ampliação da área urbana e Campinas foi das primeiras cidades do interior a beneficiar-se deste melhoramento: inicialmente apenas três linhas (Estação, Gasômetro e Jardim Público), estendidas depois ao Hipódromo e ao Guanabara.
A planta que se levantou trinta anos depois apresenta poucas modificações; apenas se consolidaram os povoamentos ainda incipientes na planta anterior e, por sua vez apresentava novos bairros em formação, com delineamentos apenas esboçados e ruas ainda sem denominação.
No ritmo até então assinalado, era de se esperar um crescimento bastante acentuado nos primeiros trinta anos do século XX. Tal, contudo, não ocorreu. Sofreu a cidade tremendos prejuízos com as epidemias de febre amarela no fim do século anterior. A desolação campeou. Muita gente abandonou a cidade. Acreditou-se mesmo que Campinas jamais se reergueria e, desta maneira frustraram-se as perspectivas para aqueles que esperavam que Campinas viesse a suplantar a própria capital. Tudo fazia crer nessa vertiginosa curva ascensional. Mas, a febre “matou” a cidade… Felizmente, os trabalhos de saneamento livraram-na do mal e pôde ela ressurgir das próprias cinzas, a repetir a lenda da fênix que, mui de propósito, figura no seu brasão de armas… Mas o ressurgimento foi lento.
Em vez de crescer assustadoramente, como ocorreu com a Capital (um dos maiores índices de crescimento em todo o mundo), preferiu consolidar-se. E é como cidade estável econômica, social e culturalmente que Campinas se impôs ao Brasil nos primeiros decênios do século XX. Viveu muito do seu passado, conservando ciosamente sua “memória”.
Nessa fase final do séc. XIX e início do XX entra mais decisivamente ainda a ação da Igreja. Alguém, tomando conhecimento do desenvolvimento da Igreja e das instituições religiosas na cidade, poderia estranhar que ela não fosse ainda sede de Bispado. Era como se ela estivesse preparando o caminho para esse evento, que veio a ocorrer no início do século passado e que abre, de fato, um novo capítulo na História religiosa da cidade.